Como funciona o controle de jornada do empregado doméstico?
- Martello Contabilidade
- há 3 dias
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Quando o assunto é o contrato de trabalho do empregado doméstico o que se vê na prática é que nem sempre as partes envolvidas nessa relação têm ciência dos seus direitos e obrigações. Aliás, não obstante exista uma legislação específica regulamentando esse importante trabalho no âmbito residencial, infelizmente há ainda um certo desconhecimento de tais normas.
Isto porque, ao longo da história, o trabalho doméstico sempre teve como característica marcante a sua enorme informalidade, para além da ausência de proteção e da própria desigualdade de gênero. Tanto isso é verdade até hoje que, de acordo com o Instituto Doméstica Legal, a informalidade continua sendo uma realidade para cerca de 70% dos trabalhadores domésticos.
Para melhor compreender o tamanho da informalidade no país, pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Pnad Contínua, do IBGE), havia 5.932 mil pessoas ocupadas em serviços domésticos, no Brasil, no quarto trimestre de 2024.
A propósito, a problemática do trabalho doméstico já foi abordada nesta coluna, ocasião em que foram feitas algumas reflexões sobre a temática. Contudo, muitas são as dúvidas de ordem prática que ainda persistem sobre a matéria, principalmente no que diz respeito ao controle de jornada destes empregados, pois existem trabalhadores domésticos que dormem na casa do seu empregador, o que pode dificultar ainda mais os parâmetros de horários.
Neste cenário, questiona-se: como deve ser feito o controle da jornada do empregado doméstico? O que diz a legislação sobre o assunto? Quais são as consequências jurídicas quando inexistentes os registros de horários pelo empregador? Qual é o posicionamento jurisprudencial sobre a matéria?
Legislação
De acordo com o artigo 1º da Lei Complementar nº 150, de 1º de junho de 2015, o empregado doméstico é aquele trabalhador(a) que irá prestar serviços de forma continuada, por mais de dois dias na semana, sendo este trabalho subordinado, oneroso e pessoal, cuja finalidade não seja lucrativa para a pessoa ou à família no âmbito residencial.
Entrementes, ao tratar sobre a jornada de trabalho, a referida legislação especial dispõe em seu artigo 12 que “É obrigatório o registro do horário de trabalho do empregado doméstico por qualquer meio manual, mecânico ou eletrônico, desde que idôneo”. Vale dizer, consoante os termos da LC nº 150/2015, o controle dos horários do empregado doméstico é compulsório.
Lição de especialista
Oportunos são os ensinamentos de Ulisses Vieira Moreira Peixoto:
“Frise-se que o legislador obrigou o registro do horário de trabalho do empregado doméstico. Assim, tal registro deverá ser realizado de maneira idônea, não contrariando as regras estabelecidas pelo ordenamento jurídico. Encontra-se no texto legal qualquer meio manual (folhas de ponto), mecânico (relógio de ponto) ou eletronicamente.
Observa-se que em uma demanda trabalhista caberá ao empregador doméstico juntar o controle de frequência aos autos, sob pena de inversão do ônus da prova em relação a jornada de trabalho. Dispõe o art. 12 da LC nº 150/2015 que o empregador doméstico é obrigado a registrar o horário de trabalho do empregado por qualquer meio idôneo. Como não há qualquer condicionante no dispositivo relativo ao número mínimo de empregados, como contido no § 2º do art. 74 da CLT (o § 2º em tela sofreu uma alteração, na sua redação pela Lei nº 13.874, de 2019), deve-se entender que todo empregado doméstico deve manter controle de ponto, ainda que tenha um único empregado.”
Verifica-se, portanto, que desde o ano de 2015, o controle da jornada é obrigatório, ainda que diga respeito à existência de um único trabalhador doméstico desempenhando tais serviços no âmbito residencial, sendo obrigação do empregador, doravante, manter o seu registro de horário.
Sanada a dúvida a respeito da existência do controle de jornada, outro ponto de grande discussão sempre foi em torno do ônus de prova em juízo dos horários de trabalho. Afinal, o debate era no sentido de saber se, para a Justiça do Trabalho, a ausência pelo empregador do registro da jornada do empregado doméstico geraria a presunção relativa dos horários indicados na reclamação trabalhista e, com isso, seria possível dispensar a produção de prova pelo trabalhador doméstico, já que se torna muito mais difícil a sua comprovação em um labor que, por regra, é realizado em âmbito residencial.
Tese vinculante
De acordo com uma pesquisa feita pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), em 14/3/2025, constatou-se a existência de 887 acórdãos e de 1.571 decisões monocráticas nos últimos 12 meses envolvendo a temática. Por essas razões, a Corte Superior Trabalhista reafirmou a sua jurisprudência fixando a seguinte tese ao julgar o RRAg – 0000750-81.2023.5.12.0019: “A ausência de apresentação dos registros de jornada pelo empregador doméstico gera presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho alegada na petição inicial, que pode ser elidida por prova em contrário.”
Com efeito, considerando a nova tese vinculante (Tema 122) que passa a ser obrigatória para os demais órgãos do Poder Judiciário Trabalhista, caso não sejam apresentados em juízo os registros do controle de jornada, e não obstante a presunção relativa de veracidade dos horários alegados, poderá a parte se valer de outros meios para a comprovação em sentido contrário.
Ao definir a tese, o ministro relator ponderou:
“Como já mencionado, a posição consolidada do Tribunal Superior do Trabalho é no sentido de que é do empregador o ônus de comprovar a jornada de trabalho do empregado doméstico, de modo que horários de trabalho apontados na petição inicial presumem-se verdadeiros caso não haja prova em contrário. O lastro jurídico do posicionamento consolidado do Tribunal Superior do Trabalho encontra-se na Lei Complementar 150/2015, que regulamenta o contrato de trabalho doméstico. O art. 12 da referida legislação prevê que “É obrigatório o registro do horário de trabalho do empregado doméstico por qualquer meio manual, mecânico ou eletrônico, desde que idôneo”. Diante da inexistência do cumprimento da obrigação legal supracitada, esta Corte Superior entende que a jornada de trabalho apontada na petição inicial presume-se relativamente verdadeira, nos termos da Súmula 338, I do TST, que assim disciplina: Jornada de trabalho. Registro. Ônus da prova. I – É ônus do empregador que conta com mais de 10 (dez) empregados o registro da jornada de trabalho na forma do art. 74, § 2º, da CLT. A não-apresentação injustificada dos controles de freqüência gera presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho, a qual pode ser elidida por prova em contrário” (ex-Súmula nº 338 alterada pela Resolução 121/2003, DJ 21/11/2003).
É importante ressaltar que o tradicional cartão de ponto é documento fundamental e que traz segurança para as partes na relação de emprego, cabendo ao empregador a responsabilidade pelo seu cumprimento, cuja não apresentação, de forma injustificada, trará presunção relativa da veracidade dos honorários declinados na reclamação trabalhista. Mas isso não quer dizer que os horários indicados deverão ser sempre aceitos, até porque poderá o empregador se valer de outros mecanismos para refutar a jornada alegada.
Para tanto, estar-se-á diante do fenômeno da inversão do ônus da prova que, a princípio, é do trabalhador doméstico, por se tratar de fato constitutivo do seu direito. Vale dizer, se o empregador efetivamente controlar e apresentar os registros de jornada, cumprindo os termos da Lei Complementar nº 150/2015, caberá ao trabalhador o ônus, caso entenda que os horários não correspondam à realidade, fazer a prova para desconstituí-los.
Em arremate, não se pode esquecer que no direito do trabalho aplica-se o princípio da primazia da realidade, ou seja, os fatos prevalecem sobre os documentos quando não refletirem a realidade vivenciada. Acontece que não se pode esquecer que os princípios da lealdade e da boa-fé devem se fazer presentes no início, durante e ao final do contrato de trabalho, de sorte que a correta apresentação do controle de jornada, para além de demonstrar o cumprimento da legislação trabalhista, ainda assegura a efetividade dos direitos sociais do trabalhador, garantindo a saúde e a segurança no trabalho.
Fonte: Consultor Jurídico.
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