Ainda que com alguma dose de diplomacia, um debate na Câmara dos Deputados expôs publicamente uma guerra de bastidores no governo que ameaça o maior sistema de serviço público digital em implementação no Brasil, a plataforma de registros fiscais, trabalhistas e previdenciários que atende por eSocial. Pelo que se ouviu, uma crise criada e alimentada pela Receita Federal.
O cerne do embate repetida por representantes de empresas de TI, contabilistas e até mesmo do próprio Ministério da Economia é o movimento do Fisco de exigir que informações trabalhistas e previdenciárias do eSocial alimentem seu sistema particular de informações tributárias – com consequências diretas no desenvolvimento da plataforma que, vale lembrar, já roda há 18 meses com mais de 6 milhões de empresas e dados e 40 milhões de trabalhadores.
“Isso tem implicações de custos para as empresas, que já fizeram grandes investimentos para se adequarem ao eSocial, mas percebem a vantagem no sistema. Mas o que a Receita indica é diferente, cria não só duplicação de trabalho como custos adicionais, e recorrentes, não apenas para as empresas, mas para o próprio governo”, diz a diretora da ADP, Valquíria Cruz, que representou a Brasscom no debate promovido pela Comissão de Desenvolvimento Econômico da Câmara.
Ao longo dos mais de cinco anos em que vem sendo desenvolvido o eSocial, já houve um primeiro racha quando o Fisco insistiu em manter um sistema exclusivo, o EFD-Reinf. Pesou o argumento de que diferentes áreas das empresas cuidam de informações trabalhistas e tributárias, e que portanto seriam alimentadas coisas diferentes por agentes distintos. É o contrário da nova proposta, materializada com a divulgação de uma minuta de um novo leiaute para o sistema da Receita, publicada no fim de agosto.
“A Receita diz que é o mesmo sistema, mas não é. Especialmente quando crio obrigações diferentes. Por exemplo, na folha de pagamento, uma parte das informações é tratada nas empresas pelo RH, outra pela área tributária.
Quando começo a publicar ou criar outros sistemas, passo para um grupo uma informação que outro grupo é que precisa trabalhar. Não é trivial criar novas informações em novos sistemas. Também não é trivial ter leiautes diferentes no eSocial. A gente tem que ser o mais claro possível. Estamos criando subterfúgios para complicar e não para simplificar”, disparou o subsecretário de Desenvolvimento de Comércio e Serviços do Ministério da Economia, Fabio Pina.
Embora o ministro Paulo Guedes, ainda em 13/6, tenha reestruturado a governança do eSocial pela Portaria 300/2019, a Receita Federal até aqui se recusou a participar, em que pese desde lá o comitê gestor já ter realizado quatro reuniões. E a publicação da minuta do EDF-Reinf no fim de agosto parece ter reforçado ainda mais esse isolamento auto imposto.
Não por menos, portanto, o apelo do subsecretário Pina diante dos deputados: “Há uma portaria, 300/19, onde o ministro Paulo Guedes denomina quem vai participar do comitê gestor. A Receita Federal está lá, só que não nomeou ainda seu representante. A gente tem que demandar que eles façam isso, até para nos convencerem que têm razão. Eles precisam convencer o comitê gestor. Mas se não convencerem, têm que fazer parte do mesmo time.”
Essa disputa nos intestinos da burocracia se aproveita de um movimento de simplificação do eSocial, que já levou ao adiamento da fase final de implementação das micro e pequenas empresas, de alimentação de informações da folha de pagamento no sistema.
Houve um compromisso do governo, reafirmado no debate pelo coordenador geral do eSocial, João Paulo Machado, de preservar os investimentos já feitos pelas empresas.
Por isso, uma primeira versão simplificada do novo eSocial vai sair nas próximas semanas, com a expectativa de que cerca de um terço dos campos seja tornado de preenchimento facultativo.
A versão simplificada definitiva deve ficar para 2020.
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