Legislação trouxe novas regras sobre a tributação de renda auferida no exterior em aplicações financeiras, empresas offshore e trusts 1. Qual é o problema atual com a tributação de aplicações financeiras no exterior?
Antes da Medida Provisória (MP) 1.171/2023, a regra para tributação de aplicações financeiras no Brasil era diferente da regra para tributação de aplicações financeiras no exterior, sendo a primeira mais onerosa que a última.
Investimentos em renda fixa no Brasil são tributados a uma alíquota de, no máximo, 22,5% (podendo chegar a 15% após 2 anos da aplicação). Em aplicações realizadas diretamente em títulos de renda fixa, tais com aquelas em títulos de dívida de empresas brasileiras, a tributação ocorre, basicamente, no recebimento dos juros e no vencimento do título. Já nos investimentos efetuados em fundos de investimentos, no geral essa tributação ocorre duas vezes por ano.
Até a edição da MP, os investimentos em renda fixa no exterior, como títulos de dívida de emissão de empresas estrangeiras, não tinham uma regra de tributação prevista expressamente em lei, o que causava dúvidas de interpretação e insegurança jurídica.
A MP altera as regras de tributação de aplicações financeiras no exterior, introduzindo um regime uniforme e mais simples. Pelas regras da MP, as aplicações financeiras efetuadas no exterior passam a estar sujeitas a uma única tabela que leva em considerações as faixas de rendimento dessa natureza auferidas pelo contribuinte:
0% para rendas de até R$ 6.000,00 por ano;
15% para rendas entre R$ 6.000,01 e R$ 50.000,00 por ano;
22,5% para rendas acima de R$ 50.000,00
Além disso, a tributação passará a ocorrer apenas uma única vez no ano, isto é, quando da entrega da Declaração de Ajuste Anual (DAA). Ao preencher a sua DAA, o contribuinte deverá somar o total de rendimentos de aplicações financeiras auferidos no exterior e submetê-lo à tributação de acordo com a nova tabela prevista na MP. A tributação sobre aplicações financeiras detidas diretamente no exterior continua a ser exigida no momento da sua realização.
Essa mesma tabela também deverá ser aplicada no caso de contribuintes que investem no exterior por meio de offshores. Os lucros das empresas offshore devem ser incluídos na DAA e tributados no ano em que forem apurados em balanço.
2. O que são offshores?
Offshore é um termo utilizado para designar “empresas” constituídas no exterior. Essas empresas podem ser uma sociedade limitada, ou uma sociedade por ações, como conhecemos no Brasil. Além disso, a depender da lei do país em que são constituídas, as offshores podem ser constituídas como sociedades ou entidades não personificadas, que não têm equivalente no Brasil, como foundations e fundos de investimento com normas bem diferentes dos fundos brasileiros. Nos fundos de investimento com classes de cotas (como os segregated portfolio funds), cada classe de cotas deve ser considerada como uma entidade separada.
3. É ilegal ter offshore?
A constituição de empresas offshores não é vedada pela legislação, assim como a sua utilização para realização de aplicações financeiras no exterior, desde que a pessoa física remeta os recursos obedecendo as regras do Banco Central do Brasil, declare uma vez por ano o investimento na Declaração de Capitais Brasileiros no Exterior (DCBE) e informe a offshore na Declaração de Imposto de Renda da Pessoa Física (DIRPF, também conhecida como Declaração de Ajuste Anual - DAA).
Entretanto, a utilização destes veículos de investimento gera distorções tributárias que geram injustiça tributária e ferem a neutralidade, além de prejudicar a arrecadação. As offshores em paraísos fiscais ou em países que possuem regimes fiscais privilegiados (isto é, de baixa ou nula tributação) são utilizadas com frequência por contribuintes de altíssima renda que visam investir no exterior. Isso porque, entre outras vantagens, esse tipo de estrutura gera um benefício fiscal significativo para estes contribuintes, que acabam postergando (“diferindo”) por um longo período de tempo o imposto que deveria ser pago no Brasil, transmitindo esse diferimento até mesmo para os seus herdeiros, na sucessão.
4. Como funciona a estruturação de offshores e qual era o seu efeito tributário danoso no País?
Em vez de investir diretamente em ativos no exterior, o que se verifica é que estes contribuintes constituem estas empresas ou outros veículos de investimentos em tais jurisdições para diferir a tributação por um longo período, até mesmo transmitindo o diferimento para os seus herdeiros, na sucessão.
Caso o investimento fosse efetuado diretamente em um título do Tesouro de outro país, este contribuinte estaria sujeito à tributação no Brasil no primeiro momento em que recebesse, por exemplo, os juros deste título. Quando os contribuintes constituíam estas empresas intermediárias em jurisdições de baixa ou nula tributação e passavam a realizar todo o seu investimento por meio de tais veículos de investimento, tal tributação era diferida. Com isso, no caso do investimento efetuado no referido título estrangeiro, com a estrutura constituída, o contribuinte passa a afastar a tributação no Brasil quando os juros são recebidos. Os juros passam a ser recebidos pela empresa no “paraíso fiscal” e deixam de ser tributados no Brasil.
A tributação no Brasil somente acontecerá se e quando o contribuinte transferir o lucro, efetivamente, para o seu sócio pessoa física (por exemplo, por meio da deliberação de dividendos ou do uso de recursos da empresa para pagar gastos pessoais em viagens internacionais). Na prática, as pessoas ficavam anos, ou até a vida toda, ou até após o falecimento, sem pagar imposto sobre as aplicações financeiras feitas no exterior por intermédio dessas empresas (offshores).
6. O que é diferimento tributário e por que é importante acabar com ele no caso das offshores?
Diferimento tributário é permitir a postergação do recolhimento do imposto até um momento futuro, que pode demorar muitos anos para ocorrer. No caso das offshores, o diferimento tributário permite que a pessoa física mantenha o recurso aplicado no exterior, reinvestindo os lucros gerados, sem pagamento de impostos no Brasil. Esse diferimento podia se estender indefinidamente, inclusive, para os herdeiros, após o falecimento do titular original. Isso é diferente do que acontece nos investimentos no Brasil, cujos lucros estão sujeitos ao imposto, para depois poderem ser reinvestidos. Por isso, o diferimento tributário representa uma vantagem tributária relevante para o investimento nas empresas offshore , em comparação com o investimento no Brasil.
Esse problema é antigo e já tentou ser resolvido em governos anteriores. Em 2013, foi proposta a Medida Provisória 627/2013, que pretendia tributar esses lucros pela alíquota de 15%. Em 2021, foi apresentado o Projeto de Lei 2.337/2021 que tributava esses lucros pela alíquota de até 27,5%. No Congresso Nacional, são muitas as iniciativas para tributar as offshores, podendo ser citado o Projeto de Lei 3.489/2021, recentemente aprovado na Comissão de Finanças e Tributação do Senado Federal. Essas medidas não tiveram sucesso.
7. Quais os problemas em termos de tributação e arrecadação que a utilização de offshores acarretam?
A regra anterior criava injustiça tributária, porque deixava de tributar os lucros das empresas offshores utilizadas para investimentos no exterior. Era um mecanismo de concentração de renda e de regressividade tributária, por permitirem o acúmulo do capital pelos contribuintes de alta renda sem pagamento de impostos.
Quando um contribuinte faz um investimento em aplicação financeira no Brasil, por exemplo, em um título de renda fixa, tão logo ele receba os juros o seu rendimento é tributado pelo IRPF.
No entanto, quando o contribuinte faz investimento no exterior por meio destas estruturas de investimento sofisticadas, consegue-se criar mecanismos para diferir ou afastar a tributação no Brasil.
Há, assim, uma violação da isonomia tributária, por se tributar de forma diferente as aplicações financeiras no Brasil e no exterior e as distintas modalidades de aplicações financeiras no exterior (diretas pela pessoa física e via empresa offshore). Além disso, quebra-se a neutralidade tributária, pois se incentiva o investimento no exterior, em detrimento do investimento no Brasil.
Portanto, é necessário igualar as regras de tributação das offshores à de tributação das aplicações financeiras em renda fixa no País, atendendo tanto o objetivo de equidade (mais justiça tributária), quanto de eficiência econômica (menos distorções geradas pelas regras de tributação na escolha de onde fazer um investimento).
8. As offshores são constituídas necessariamente em paraísos fiscais?
Não. Os brasileiros podem constituir empresa em qualquer país, seguindo a lei daquele país. No entanto, para investimentos financeiros, tipicamente, as offshores são constituídas em países que não tributam a renda, ou que a tributam a alíquotas muito baixas, conhecidos como paraísos fiscais. Tais empresas são também constituídas em países que possuem uma alíquota nominal elevada, mas que concedem regimes fiscais específicos que acabam por subtributar a renda auferida. A definição legal de jurisdição de paraíso fiscal e de regimes fiscais privilegiados constam do art. 24 da Lei 9.430/1996 e do art. 24-A da Lei 9.430/1996.
A Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) divulga uma lista dos países e regimes fiscais enquadrados em tais definições na Instrução Normativa RFB 1.037/2010, que é atualizada de tempos em tempos. Entretanto, essas listas não cobrem todos os países ou regimes que, na vida real, não tributam o lucro das empresas offshore.
7. Como identificar e fiscalizar a tributação desses ativos?
A identificação ficou mais fácil ao longo dos anos. Recentemente, mais de 100 países, incluindo a maioria dos paraísos fiscais, assinaram acordos multilaterais para facilitar o acesso a informações sobre ativos financeiros no exterior. Os saldos declarados em contas no exterior são informados todo ano ao governo brasileiro, sob o Common Reporting Standard (CRS). O EUA criou o Foreign Account Tax Compliance Act (FATCA), com funcionamento similar. O Brasil deu duas oportunidades para os contribuintes brasileiros regularizarem os seus ativos no exterior que antes não eram declarados, no Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT), em 2016, e na sua segunda edição, de 2017.
Hoje, a manutenção de recursos em offshores não declaradas está limitada aos contribuintes que desejam, intencionalmente, praticar ato criminoso e responderão penalmente pelos seus atos, além de pagar os tributos com as multas cabíveis.
8. Como funciona a regra nova?
Foi criada uma mesma regra de tributação para as aplicações financeiras feitas diretamente por pessoa física no exterior e para o lucro das empresas offshores controladas pela pessoa física e domiciliada em paraíso fiscal ou com renda passiva significativa.
É criada uma ficha nova na DAA para declarar todos os rendimentos decorrentes da aplicação do capital no exterior, nas modalidades de aplicações financeiras (diretas) e de empresas offshore.
As aplicações financeiras feitas no exterior diretamente pela pessoa física passam a ser tributadas uma vez por ano. A alíquota é de 0% para rendimentos desta natureza de até R$ 6 mil por ano, 15% para rendimentos de R$ 6 mil até R$ 50 mil por ano e de 22,5% para rendimentos acima de R$ 50 mil por ano.
Os lucros produzidos por empresas offshores passam a se submeter à mesma regra de tributação acima mencionada, uma vez por ano, em 31 de dezembro. A tributação ocorre no momento em que os lucros são apurados no balanço, independentemente de qualquer ato de deliberação de dividendos.
9. Todas as offshores controladas por brasileiros serão afetadas?
As empresas offshore sujeitas à nova regra de tributação dos lucros são aquelas controladas por pessoa física residente no Brasil, sozinho ou com pessoas vinculadas, como familiares próximos. Além disso, as empresas offshores sujeitas à regra são aquelas domiciliadas em paraísos fiscais, ou que não possuam renda ativa acima de 80% da renda total. Por renda ativa, entende-se renda da atividade econômica própria da empresa, excluindo as chamadas “rendas passivas”, como aquelas com juros e dividendos.
10. E os trusts? Como são afetados?
Atualmente, os trusts não são regulamentados no Brasil, causando dúvidas relevantes acerca do seu tratamento tributário e sendo fonte de insegurança jurídica para o contribuinte e para o Estado. A Medida Provisória resolve esse problema ao trazer uma regulamentação específica do trust, explicando quem é o titular dos ativos do trust e como deve ser feita a declaração.
Os trusts são contratos regidos por lei estrangeira que trazem regras de destinação do patrimônio das pessoas que o instituem (“instituidores”) para os seus herdeiros (“beneficiários”). Os trusts funcionam como uma espécie de testamento mais sofisticado. O patrimônio fica em nome de um terceiro, que pode ser uma empresa especializada ou uma pessoa (“trustee”). O trust pode conter termos, encargos e condições para distribuição do patrimônio aos herdeiros.
A regra de tributação do trust está baseada na noção de transparência fiscal, muito utilizada por outros países na regulamentação desse instituto. Assim, os ativos vertidos ao trust são considerados como pertencentes ao instituidor, em um primeiro momento, e, depois, quando forem disponibilizados ao beneficiário, ou quando o instituidor vier a falecer, o que ocorrer antes, são transferidos à titularidade do beneficiário.
A pessoa definida como titular tem a responsabilidade por declarar os ativos e tributar os seus rendimentos.
11. O que acontece com os lucros do passado?
Os lucros das empresas offshores apurados no passado seguirão submetidos ao momento de tributação previsto na lei antiga, isto é, serão tributados somente no momento da sua efetiva disponibilização para o sócio pessoa física no Brasil. As alíquotas aplicáveis serão aquelas do momento do fato gerador, isto é, da disponibilização (nova tabela prevista na MP).
12. Posso atualizar o custo dos meus bens e direitos no exterior?
Sim, como a Medida Provisória altera a regra de tributação dos bens e direitos no exterior, ela também abre a possibilidade de o contribuinte, opcionalmente, atualizar o valor dos seus bens e direitos no exterior até a data-base de 31 de dezembro de 2022. A alíquota, neste caso, é de 10%. A alíquota menor se justifica porque, se a atualização não for feita, o contribuinte pagará o imposto somente quando a renda for efetivamente disponibilizada ao Brasil, segundo a regra geral, acima mencionada. Os investimentos em entidades controladas também poderão ser atualizados para o período de 01 de janeiro de 2023 a 31 de dezembro de 2023.
13. A variação cambial do principal aplicado no exterior também será tributado automaticamente no Brasil? O que acontece se eu tiver ganho em um ano e perda em outro?
O investimento na empresa offshore tem dois componentes: (1) o principal aplicado e (2) o lucro gerado no exterior em função da aplicação dos recursos.
O lucro será tributado todo ano, pelas regras acima descritas, sendo convertido de moeda estrangeira para reais em 31 de dezembro de cada ano. Caso haja prejuízo em um ano e lucro em um ano posterior, o prejuízo poderá ser abatido do lucro.
Já a variação cambial sobre o principal aplicado será tributada somente no momento em que houver, efetivamente, uma devolução de capital para a pessoa física residente no Brasil (por exemplo, quando houver uma redução de capital). Nesse momento, a variação cambial entre a data da remessa dos recursos e a data do retorno dos recursos será tributada no Brasil. Ela será enquadrada como ganho de capital e submetida à incidência do imposto de renda pelas alíquotas de 15% a 22,5%, mantendo a mesma regra atual e trazendo mais segurança jurídica ao contribuinte.
14. A nova regra está alinhada com as melhores práticas mundiais?
A introdução de regras tributárias que visam endereçar o problema do diferimento causado pelas estruturas offshore é medida recomendada pela OCDE e que já foi objeto de extensa discussão entre diversos países desenvolvidos e em desenvolvimento à época do projeto BEPS. Além disso, medidas dessa natureza são adotadas por diversos países, que há décadas se valem desse tipo de regra para evitar o problema tributário que este tipo de planejamento acarreta. Na realidade, pode-se dizer que a legislação brasileira é uma das raras exceções que ainda contém essa lacuna que permite a utilização desse tipo de estrutura como forma de planejamento tributário.
Fonte: Portal Ministério da Fazenda, pela equipe.
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