Independência blinda órgão de pressões político-partidárias na condução da política monetária, dizem analistas. Decisões afetam juros e inflação
Desde que assumiu a presidência da República em seu terceiro mandato, o presidente Lula tem questionado a condução da política monetária pelo Banco Central no que se refere à alta taxa Selic, hoje em 13,75% ao ano, e a autonomia do órgão, garantida por lei sancionada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro em 2021.
Mas, afinal, o que significa um país ter um Banco Central autônomo e por que isso é importante? Entenda:
O principal motivo é preservar o Banco Central de influências políticas, explica Mauro Rodrigues, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP (FEA).
— A parte mais importante é isolar o BC das pressões políticas. O Banco Central recebe as metas de inflação definidas pelo Conselho Monetário Nacional e ele tem que persegui-las.
A autonomia do BC também ajuda no controle das expectativas de inflação e, por consequência, na contenção de preços que poderiam retroalimentar a inflação, diz Rodrigues:
— Quem tá reajustando preços de bens e serviços hoje, vai realizar uma revisão mais baixa se você segurar as expectativas de inflação. A partir daí, se controla a inflação a um custo menor. Mas se essa expectativa de inflação sai do controle, o Banco Central tem que usar de um remédio muito mais amargo que são os juros, que aperta a atividade econômica — explica.
Há ainda uma avaliação geral entre analistas de que a autonomia do Banco Central também garante maior previsibilidade, uma vez que a política monetária requer um horizonte de longo prazo e seu efeito sobre a atividade econômica e a inflação é defasado.
Alexandre Póvoa, estrategista da Meta Asset Management, lembra que a autonomia do órgão o blindou na pandemia de ter ficado refém do governo anterior:
— Imagina se o Bolsonaro pudesse mexer no BC? Se pode até discutir se o BC está fazendo um bom trabalho, mas a independência ajudou na transição política porque não se questiona sua liberdade pra conter a inflação. Não fosse isso, o mercado dos juros futuros estaria mais alto, bolsa caindo e o dólar mais alto. Inflação é um custo muito grande da população mais pobre. E cabe a um órgão de estado mudar isso.
Para o economista-chefe da Tendências Consultoria, Silvio Campos Neto, a autonomia do Banco Central ganha mais relevância diante das críticas recentes do presidente Lula (PT) e de outros membros do governo.
— A independência dá um isolamento maior para que o BC faça o que for necessário no sentido de cumprir seu papel de manter a inflação dentro das metas. Ele não vai ser imune às críticas, mas isso dá mais segurança de que ele poderá tomar as decisões necessárias sem um risco de intervenção por parte do governo, pelo menos não do ponto de vista formal.
Na mesma linha, segue o presidente do Conselho de Administração da Jive Investments e ex-diretor do BC, Luiz Fernando Figueiredo, destaca que em diversas economias desenvolvidas, os bancos centrais são independentes.
— É importante porque quando há um debate ou pressão, o Banco Central tem liberdade de tomar ações tecnicamente. Com essa autonomia, não vem uma ordem superior dizendo o que deve ser feito.
Tarefa mais árdua
Figueiredo afirma que as reiteradas críticas do presidente Lula (PT) ao banco dificultam a tarefa da autoridade monetária em reduzir a inflação.
—Toda vez que existe um receio de que a decisão técnica não será tomada daqui para frente, você acaba produzindo uma mudança de expectativas. Nas últimas semanas, elas têm subido, o que dificulta o trabalho do Banco Central e aumenta o custo da política monetária.
Para Neto, os embates recentes por parte do governo criam um ambiente mais hostil, o que auxilia na desaconragem das expectativas.
— No fundo, o mercado vai elevar os riscos de que essas pressões aumentem. Em paralelo, há as discussões sobre meta de inflação em um governo do qual já se tem a percepção, pelo lado do mercado, de um viés mais expansionista. Tudo isso desemboca em um aumento da expectativa de inflação, o que torna o trabalho do Banco Central mais difícil.
Mandatos alternados
A autonomia operacional do Banco Central é uma condição que está prevista na lei complementar nº 179, sancionada em 2021 pelo ex-presidente Jair Bolsonaro após aprovação pelo Congresso Nacional. Na prática, a lei que dá autonomia à instituição desvinculou o Banco Central do Ministério da Economia e o tornou uma autarquia de natureza especial.
O objetivo da mudança é blindar o órgão de pressões político-partidárias, tornando mais transparente a condução da política monetária. Dessa forma, a autonomia legal do BC separa o ciclo político do ciclo de política monetária. A lei define que o presidente do Banco Central terá mandato de quatro anos não coincidente com o do presidente da República.
A discussão sobre autonomia, porém, é bem mais antiga do que sua aprovação: data de mais de 30 anos. Em 1989, o então senador e ex-presidente Itamar Franco já havia apresentado um projeto prevendo essa alteração que, unido a outros textos, estava em tramitação até 2019.
Na avaliação do economista Ricardo Rocha, professor do Insper, a autonomia do Banco Central é uma conquista que configura a mais recente etapa de um conjunto de medidas que visaram, ao longo do tempo, o processo de estabilidade macroeconômica no Brasil.
— Em 1996 foi criado o Conselho Monetário Nacional, mas o BC ainda não tinha tanta autonomia. Hoje, o BC, em última instância, é o guardião da cesta de consumo das famílias mais pobres porque, ao proteger o real, tenta fazer os melhores esforços para que a inflação caia e assim melhore o poder de compra da população.
Prestação de contas ao Congresso
O principal objetivo da instituição continua é assegurar a estabilidade de preços. Há ainda a avaliação de que a independência do órgão garante maior credibilidade e contribui para a estabilidade do sistema financeiro.
De acordo com o próprio Banco Central brasileiro, a independência do órgão o alinha às melhores práticas internacionais. “A autonomia permite à instituição buscar seus objetivos, estabelecidos em lei e pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), de maneira técnica, objetiva e imparcial”, informa a autarquia.
A autonomia do órgão, porém, não o isenta de responsabilidades. O Banco Central presta contas ao Congresso Nacional a cada seis meses. O presidente do BC e os diretores são, inclusive, sabatinados.
Póvoa, da Meta Asset Management, frisa ainda que autonomia não é a mesma coisa que independência. Há países em que a independência do BC concede a ele a definição e controle das metas de inflação, o que não ocorre no caso brasileiro.
Fonte: O Globo, por Carolina Nalin e Vitor da Costa.
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