Por José Higídio
Na quinta-feira (06/01), foi publicado um convênio do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) — colegiado formado pelos secretários de Fazenda, Finanças ou Tributação dos estados e do Distrito Federal — que autoriza e regulamenta a cobrança do diferencial de alíquota (Difal) do ICMS já neste ano.
A medida ainda depende de regulamentação de cada estado, mas já causa polêmica entre tributaristas. Isso porque o atraso na sanção da lei complementar sobre o tributo teoricamente impediria a sua aplicação em 2022. Assim, poderá haver um novo contencioso tributário.
Sanção tardia O Difal é pago ao estado de destino dos bens, incide sobre operações interestaduais e consiste na diferença entre a alíquota interna do estado destinatário e a alíquota interestadual. Quando o destinatário não é contribuinte do ICMS, a responsabilidade pelo recolhimento é do remetente. Já quando o comprador é consumidor final contribuinte do ICMS, o tributo é devido pelo próprio destinatário.
Até o último ano, o Difal vinha sendo regulamentado por cláusulas do Convênio 93/2015 do Confaz. Porém, em fevereiro de 2021, o Supremo Tribunal Federal decidiu que é inconstitucional estabelecer o Difal por meio de ato administrativo. De acordo com a corte, para ser válido, o diferencial deveria ser fixado por lei complementar.
Na ocasião, os ministros modularam os efeitos da decisão, para que o Difal passasse a valer apenas a partir de 2022. A ideia era proporcionar tempo suficiente para o Congresso aprovar a lei complementar exigida. A aprovação de fato ocorreu antes de 2022, mas com pouco tempo de sobra. A última fase de análise pelo Senado foi concluída apenas no último dia 17/12. A sanção presidencial, por sua vez, ocorreu apenas na última quarta-feira (05/01).
A demora esbarra no princípio da anterioridade anual. Segundo o artigo 150, inciso III, alínea "b", da Constituição, os governos não podem cobrar tributos no mesmo exercício financeiro — ou seja, no mesmo ano — em que tenha sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou. Ou seja, como a lei complementar foi promulgada no início de 2022, seria necessário esperar até 2023 para efetivamente cobrar o Difal.
Os estados, no entanto, passaram a defender a tese de que a nova lei complementar não instituiu nenhum tributo, pois o Difal já existia. Assim, já poderia ser cobrado em 2022. O novo convênio do Confaz leva em conta essa interpretação.
Mera formalidade Igor Mauler Santiago, doutor em Direito Tributário, sócio fundador do Mauler Advogados e colunista da ConJur, diz que o convênio traz apenas regras operacionais. "A discussão sobre a vigência do Difal não se faz com base nele, mas na Constituição e na lei complementar", ressalta. Para o tributarista, há até um lado positivo no ato normativo, "ao afastar a esdrúxula base dupla que alguns estados insistem em considerar" — um cálculo mais complexo, com mais etapas, que resulta em valores maiores.
A falta de disposições sobre à anterioridade é de menor importância, na visão de Vitor S. Rodrigues, advogado sênior da consultoria tributária do escritório Chenut Oliveira Santiago. Segundo ele, o convênio "não oferece qualquer significativa inovação no ordenamento jurídico".
O tributarista explica que os convênios do Confaz, por si só, "não gozam de força de lei e, por conseguinte, não estariam submetidos à necessidade de observância da anterioridade para instituição ou majoração de tributos. Isso deve, necessariamente, ocorrer quando de sua ratificação por atos normativos próprios dos estados e da adequação de suas legislações para que estejam em coerência com o que foi firmado com o convênio".
Além disso, um dos fundamentos da validade do ato é a própria lei complementar, "de tal sorte que o convênio jamais teria aptidão ou capacidade para, por si, justificar a cobrança imediata do Difal pelos estados, sobretudo quando a própria lei que lhe empresta validade no sistema prevê a noventena".
O convênio já estava editado desde o último dia 27/12, e somente aguardava a sanção e a publicação da lei complementar. O advogado Leo Lopes, sócio do escritório FAS Advogados, indica que "a publicação de um convênio editado em 2021 em nada modifica o cenário jurídico atual, que é o da impossibilidade de cobrança do Difal durante o ano de 2022", devido à publicação tardia da lei complementar.
Convênio mal recebido Por outro lado, de acordo com Tales de Almeida Rodrigues, coordenador tributário do escritório Nelson Wilians Advogados em Belo Horizonte, a publicação do convênio acirra ainda mais as discussões sobre a regulamentação do Difal.
Se já havia polêmica quanto à anterioridade anual, Tales explica que o convênio vai além, e estabelece uma norma retroativa com autorização para cobrança do diferencial a partir do dia 1/1, "violando não só o artigo 3º da Lei Complementar 190/2022, mas a anterioridade anual, a anterioridade nonagésima e a decisão do Supremo que determinou que o Difal somente pode ser cobrado mediante lei complementar".
O tributarista considera que o ato normativo, "além de violar os princípios já aqui considerados, gera insegurança jurídica não só aos contribuintes, mas também aos governos estaduais que dependem dessa regulamentação''.
Gabriel Lima, tributarista do Nelson Wilians Advogados, lembra que o Difal foi declarado inconstitucional pelo STF, "o que favorece o argumento da criação de um novo tributo, ou majoração, determinante para a aplicação da anterioridade anual". Segundo ele, a questão certamente será levada à Justiça: "A lei complementar que deveria pôr fim à discussão acabou por ser mais um ponto a ser discutido no Judiciário, aumentando o contencioso tributário no país".
Segundo Hugo Schneider Côgo, sócio-coordenador da área tributária do escritório SGMP Advogados, a previsão de cobrança a partir de 1/1 "se mostra flagrantemente contrária ao texto da LC 190/2022". Ele considera que os estados provavelmente regulamentarão internamente o Difal com efeitos já a partir deste ano, e por isso "os contribuintes poderão questionar judicialmente a cobrança do Difal no ano de 2022".
Quanto ao conteúdo da regulamentação, João Paulo Cavinatto, sócio da área tributária no Lefosse, e Rodrigo Griz, advogado da área tributária do mesmo escritório, destacam algumas regras relevantes previstas no convênio. "A mais importante delas talvez seja implementar a exigência do artigo 102 do Código Tributário Nacional para fins de extraterritorialidade normativa, isto é, o contribuinte remetente estar sujeito à legislação do estado de destino, especialmente após manifestações que levavam a crer que o antigo convênio seria suficiente para esses fins".
Os advogados também ressaltam outras questões operacionais análogas a situações já conhecidas pelos contribuintes, como "a possibilidade de inscrição no Cadastro de Contribuintes do ICMS no estado de destino para recolhimento mensal ao invés de recolhimento transação a transação", além da "possibilidade de fiscalização do estabelecimento remetente pelo estado de destino mediante credenciamento prévio no estado de origem, ou mesmo sem credenciamento, quando a fiscalização não for exercida com presença física de autoridades fiscais".
Fonte: Consultor Jurídico.
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