Levantamento dos auditores da Receita Federal aponta que a União reduziu ao menos seis tributos nos últimos três meses, com impacto neste e nos próximos anos; medidas são realizadas em meio a recordes de arrecadação, mas analistas alertam para riscos no médio prazo.
Em 2022 – ano de eleição – o governo federal já anunciou R$ 57,5 bilhões em cortes de impostos, segundo levantamento realizado pelo Sindifisco Nacional, entidade que reúne os auditores da Receita Federal. As medidas têm impacto nos orçamentos deste e dos próximos anos.
A lista de renúncias dos últimos três meses é ampla: inclui corte de Imposto de Importação para moto aquática, etanol e itens da cesta básica; redução de tributos para o setor industrial por meio do Imposto sobre produtos Industrializados (IPI); além da zeragem das alíquotas de PIS e Cofins que incidem sobre parte dos combustíveis.
E o valor das isenções poderia ser ainda maior. Isso porque o ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a anunciar que ampliaria o corte de IPI, dos atuais 25% para 33%, mas o presidente Jair Bolsonaro voltou atrás na semana passada. No formato atual, a medida traz uma perda de arrecadação de R$ 19,5 bilhões neste ano.
O levantamento do Sindifisco Nacional considerou apenas o impacto da redução do IPI em 2022. Se o corte for mantido nos próximos anos, a perda de receita alcançará R$ 20,9 bilhões em 2023 e mais R$ 22,5 bilhões em 2024.
Disputa eleitoral
Às vésperas da disputa eleitoral, o governo Bolsonaro tem se valido dessas isenções tributárias com um duplo objetivo: aquecer a economia, que flerta com a estagnação, e desacelerar a inflação, que há seis meses roda acima dos dois dígitos.
Hoje, o governo não tem margem para criar novas despesas. Isso mesmo depois de ter aberto, em 2022, um espaço de mais de R$ 100 bilhões no teto de gastos devido à aprovação da proposta de emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios.
Nesse cenário, o Ministério da Economia precisou anunciar um bloqueio de R$ 1,7 bilhão no Orçamento para conseguir cumprir o teto.
A solução, portanto, tem sido o corte de tributos, num momento em que a equipe econômica se vale de um inesperado aumento de receitas. Nos dois primeiros meses de 2022, a arrecadação para o período foi recorde e alcançou R$ 386,3 bilhões, o que representou uma alta real de quase 13% em relação ao primeiro bimestre do ano passado.
A receita do governo federal tem mostrado força diante do novo boom das commodities e da inflação mais elevada – os produtos ficam mais caros e, portanto, empresas e consumidores pagam um valor maior em impostos.
“Nesse contexto, de um governo que tem uma trava pelo lado do gasto e quer fazer esse esforço para tentar segurar a inflação, ele tem uma arma fácil de ser utilizada, que é a renúncia, a desoneração”, afirma Juliana Damasceno, economista da consultoria Tendências.
“Ele (o governo) consegue aproveitar a receita extra, ou seja, aquela receita que não estava esperando, e fazer o uso dessa arrecadação para promover as desonerações”, explica.
Juliana destaca que o governo já aumentou as receitas previstas para este ano em quase R$ 90 bilhões em relação ao montante previsto na Lei Orçamentária Anual (LOA). Dessa arrecadação extra bilionária, cerca de R$ 39 bilhões são referentes à exploração de recursos naturais, como petróleo, por exemplo.
Riscos fiscais
Apesar do cenário de cofres cheios, analistas alertam para riscos no médio prazo.
“O Brasil, historicamente, tem dificuldade de adotar políticas econômicas e conseguir voltar atrás. Ou seja, quando as receitas não estiverem mais bombando, vai ser complicado a União conseguir reverter esses benefícios sem prejudicar as empresas e a sociedade”, afirma Juliana, da Tendências.
Os especialistas em contas públicas também pontuam que o governo precisa seguir alguns parâmetros ao optar por uma renúncia fiscal – que deve ser feita de forma planejada, técnica e transparente.
“A renúncia deve estar alinhada com o projeto de desenvolvimento do país. Precisa estar inserida num estudo muito bem detalhado de onde esses recursos vão faltar e onde vão ser empregados”, diz Isac Falcão, presidente do Sindifisco Nacional.
Pressão por novos cortes e gastos
Em Brasília, o novo lema da equipe do ministro Paulo Guedes é de que todo o excesso de arrecadação deve ser usado para reduzir impostos, mas medindo os impactos fiscais.
Uma fonte da equipe econômica afirma que o grande desafio agora, com a proximidade das eleições, será manter a coerência da política econômica. “As pressões serão terríveis”, afirma. “Teremos de ficar no fundo da quadra rebatendo as bolas e defendendo o erário”, diz.
Isso porque os recordes de arrecadação apenas atenuam um quadro fiscal ainda complexo. O Ministério da Economia prevê um rombo de R$ 66,9 bilhões nas contas do governo neste ano. Se confirmado, será o nono ano seguido de déficit.
Mesmo assim, o governo ainda tem margem de manobra para realizar novos cortes de tributos. Isso porque a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2022 permite que o déficit nas contas públicas possa chegar a até R$ 170,5 bilhões neste ano.
Ou seja, um espaço de cerca de R$ 100 bilhões, que já vem sendo consumido pelas novas isenções fiscais e que não passou despercebido pelos parlamentares e pela ala política do governo.
Veja os cortes de impostos já anunciados:
R$ 19,5 bilhões. Corte de 25% nas alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), com exceção dos cigarros. A medida não terá compensação no Orçamento, já que se trata de um imposto regulatório. Metade do impacto fiscal será sentido por Estados e municípios, que recebem parte da arrecadação do IPI via transferências.
R$ 19,1 bilhões. Governo vai reduzir a zero, até 2029, as alíquotas do Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos ou Valores Mobiliários (IOF) incidentes sobre operações de câmbio. O impacto fiscal será sentido entre 2023 e 2029 e não haverá compensação financeira, já que o IOF também é um tributo regulatório.
R$ 16,6 bilhões. Corte para zero das alíquotas de PIS e Cofins sobre diesel, biodiesel, gás de cozinha e querosene de aviação. A medida é válida até dezembro de 2022 e não terá compensação. Isso porque o projeto de lei que viabilizou a medida liberou o governo dessa obrigação.
R$ 1 bilhão. Redução a zero do Imposto de Importação (II) para seis itens da cesta básica e etanol, além do corte de 10% do II para bens de informática e capital. A medida vale até dezembro de 2022 para os alimentos e para o combustível e é permanente para os itens de informática. II também é um imposto regulatório, que não exige compensação orçamentária.
R$ 756 milhões. Corte para zero a alíquota do Imposto de Renda cobrado das empresas aéreas sobre o leasing de aeronaves. A redução vale para 2022 e 2023. A medida foi compensada com a revogação do Regime Especial da Indústria Química (Reiq).
R$ 450 milhões. Redução do Imposto de Renda para investidores estrangeiros. Medida deve ser publicada nesta semana.
R$ 50 milhões. Redução a zero das alíquotas do Imposto de Importação sobre motos aquáticas, balões e dirigíveis.
Fonte: G1 Economia, por Bianca Lima e Luiz Guilherme Gerbelli.
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