Trilhões de dólares foram gastos, em 2020, por governos de todo o mundo, com despesas extraordinárias para tentar amenizar os nocivos impactos sobre a atividade econômica provocados pela pandemia de Covid-19. Esses esforços governamentais agravaram a situação das finanças públicas, seja do Brasil, seja de inúmeros outros países.
Enquanto isso, as fortunas das pessoas mais ricas do planeta dispararam no ano passado. Segundo estimativa da Forbes, divulgada em dezembro do ano passado, os 2.200 bilionários do mundo ficaram US$1,9 trilhão mais ricos em 2020.
Essa realidade trouxe ao debate uma questão polêmica: a cobrança do Imposto sobre as Grandes Fortunas (IGF). Esse não é um tema novo, mas, com a piora das contas públicas por causa da pandemia, passou a ser visto como uma ‘tábua de salvação’.
No Brasil, com a inviabilidade de o governo conseguir fazer ajuste apenas pelo lado da despesa e, além disso, diante da necessidade de geração de receita fiscal adicional para financiar o déficit orçamentário brasileiro, agravado ainda mais pelo cenário atípico de pandemia, ganhou força a discussão sobre a regulamentação do IGF, previsto na Constituição Federal de 1988, mas ainda dependente de uma lei complementar para implementá-lo. Adicionalmente, também se discute a volta da tributação de dividendos, que existiu, no Brasil, até 1995, mas foi extinta com a alegação de haver bitributação nessa cobrança.
Instituir o IGF significaria cobrar imposto sobre todo o estoque de ativos acumulados por indivíduos super-ricos. À primeira vista, parece fazer sentido, mas esse é um assunto controverso há muito tempo e no mundo todo. Há defensores e detratores desse tipo de tributo.
Aqueles que defendem o imposto sobre a fortuna argumentam, resumidamente, que o IGF fornece uma solução para amenizar os contínuos déficits orçamentários e alavancar o crescimento do PIB dos países, ainda contribuindo para atenuar o abismo da desigualdade econômica com a distribuição de renda.
Do lado oposto, há argumentos que apontam para os riscos envolvidos com a adoção do IGF, como o de fuga de capital e o de aumento da evasão fiscal. Além disso, alega-se que essa arrecadação não é significativa em relação ao total de receitas tributárias e há custos administrativos para a sua fiscalização.
Sempre que o assunto tributação de fortunas volta à mesa, uma carta é lançada: a experiência internacional com esse tipo de cobrança não tem sido positiva. Dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostram que, dos seus 37 países membros, 12 já instituíram a cobrança do imposto sobre fortunas: Áustria, Alemanha, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Islândia, Luxemburgo, Noruega, Países Baixos, Suécia e Suíça. Desses, em 2020, apenas Espanha, Noruega e Suíça mantinham o tributo – com alíquotas nominais progressivas e incidentes sobre as fortunas líquidas de pessoas físicas.
Esses dados da OCDE, analisados em relatório elaborado pelo Insper, mostram que, nos países em que o imposto foi extinto, havia preocupações quanto à eficiência arrecadatória e aos custos administrativos ante as receitas geradas.
No Brasil, tem havido reiterados esforços no sentido de implementar o IGF desde a promulgação da vigente Carta Magna. Vários projetos de lei – estima-se que mais de 30 –buscaram regulamentar o Art. 153, inciso VII, da Constituição de 1988 e instituir a cobrança. Já em 1989, o então senador Fernando Henrique Cardoso apresentou o Projeto de Lei do Senado (PLS) 162, dispondo sobre a tributação de fortunas. Esse PL chegou a ser aprovado no Senado e foi remetido à Câmara dos Deputados (PLP 202/1980), onde ainda aguarda decisão.
Entre os mais recentes projetos de lei que tramitam no Senado Federal, com esse tema, estão o PLP 38/2020, de autoria do senador Reguffe (DF) – “Fica instituído, durante o período de calamidade pública no Brasil, o Imposto Extraordinário sobre Grandes Fortunas”; e o PLP 50/2020, da senadora Eliziane Gama (MA) – “Institui imposto sobre grandes fortunas e empréstimo compulsório, que financiará necessidades de proteção social decorrentes da Covid-19.
A crise causada pela pandemia atingiu o mundo de forma generalizada, provocando o aumento do endividamento em quase todos os países. No Brasil, entretanto, o aumento da Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) cresceu acima da média. Dados do Relatório de Riscos Fiscais da União, divulgado em novembro pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN), apontam que a DBGG representaria 94,4% do PIB ao final de 2020, o que significa um crescimento de 18,6 pontos percentuais em relação a 2019. A média da dívida bruta dos países, no ano passado, foi de 73,4% do PIB.
Por Zulmir Breda,
Presidente do Conselho Federal de Contabilidade
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